Segundo o vice-presidente da Anap, apesar da indústria apontar falta de papelão no Brasil, “há matéria-prima suficiente no mercado nacional”
O mercado nacional de aparas de papel tem enfrentado uma crescente de preços que tem afetado as indústrias de papel e embalagens. Em resposta, indústrias do setor têm importado a matéria-prima reciclada, o que afeta os aparistas – as empresas que reciclam mensalmente milhares de toneladas de material recolhido das ruas pelos catadores e entregue também pelo comércio varejista, atacadistas e indústria.
Recentemente, uma grande indústria do setor importou 30 mil toneladas de papelão, principalmente dos EUA, a um preço 30% superior ao oferecido no mercado interno, como forma de evitar aumentos no valor da matéria-prima obtida no Brasil, conforme indica a Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap). Adicionalmente, empresas da região Sul adquiriram mais 15 mil toneladas no mercado externo.
“A importação foi prática recorrente durante a pandemia, quando o Brasil sofreu com a falta de material reciclado. Agora é diferente, pois não houve queda na atividade de reciclagem; o que se registrou foi um desestímulo à coleta pós consumo, feita principalmente pelos catadores, com a queda no preço pago pelo papelão reciclável”, declarou Fábio Suetugui, gerente da Repapel, uma das grandes aparistas de papel de São Paulo e conselheiro da Anap.
“São 45 mil toneladas, 12% da necessidade de matéria-prima das indústrias, a um preço de 1,70 reais o quilo, enquanto no mercado interno está a 1,10 o quilo”, indicou João Paulo Sanfins, vice-presidente da Anap. Para ele, a estratégia da indústria é controlar os preços internos, “evitando novos aumentos, justamente no momento em que há uma recuperação dos preços do insumo no país”.
Segundo Sanfins, apesar da indústria apontar falta de papelão no Brasil, “há matéria-prima suficiente no mercado nacional”. O executiva ainda ressalta que os preços das aparas – não só de papelão, mas também do papel branco e cartolina – estão em recuperação, após terem tido forte queda no primeiro semestre deste ano.
Os aparistas de papel, empresas que reciclam mensalmente milhares de toneladas de material recolhido das ruas pelos catadores e entregue também pelo comércio varejista, atacadistas e indústria, estão sendo prejudicados pelo forte aumento da importação de papelão pelas indústrias de embalagens.
.
Uma grande indústria importou recentemente 30 mil toneladas de papelão, principalmente dos EUA, a um preço 30% superior ao oferecido no mercado interno, como forma de evitar aumentos no valor da matéria-prima obtida no Brasil. Além disso, fábricas do Sul compraram no exterior mais 15 mil toneladas. “A importação foi prática recorrente durante a pandemia, quando o Brasil sofreu com a falta de material reciclado. Agora é diferente, pois não houve queda na atividade de reciclagem; o que se registrou foi um desestímulo à coleta pós consumo, feita principalmente pelos catadores, com a queda no preço pago pelo papelão reciclável”, afirma Fábio Suetugui, gerente da Repapel, uma das grandes aparistas de papel de São Paulo.
.
“São 45 mil toneladas, 12% da necessidade de matéria-prima das indústrias, a um preço de 1,70 reais o quilo, enquanto no mercado interno está a 1,10 o quilo”, afirma João Paulo Sanfins, vice-presidente da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap). Para ele, a estratégia da indústria é controlar os preços internos, “evitando novos aumentos, justamente no momento em que há uma recuperação dos preços do insumo no País”. As fábricas alegam falta de papelão no Brasil, mas “há matéria-prima suficiente no mercado nacional”, diz Sanfins.
.
Os preços, não só do papelão, mas também do papel branco e cartolina, estão em recuperação, após terem tido forte queda no primeiro semestre deste ano.
O desequilíbrio entre a alta demanda e oferta apertada de aparas marrons tem afetado grandes players da indústria, que observaram os custos quase dobrarem em 2024
A tendência da economia circular, conceito estratégico que se baseia na redução, reutilização, recuperação e, principalmente, reciclagem de materiais, tem ganhado cada vez mais força em diversos setores, especialmente na indústria papeleira. Nesse sentido, apesar do Brasil ser um dos principais recicladores de papel do mundo – com uma taxa de 85% para embalagens de papel, em 2022 –, o setor tem observado um cenário desafiador no que se refere ao uso da matéria-prima reciclada, as aparas.
Durante a pandemia de Covid-19, o setor papeleiro observou uma queda acentuada na coleta de aparas marrons em razão do isolamento social e fechamento do comércio. Na época, a escassez de material pós-consumo desencadeou um aumento nos preços das aparas, afetando o mercado de embalagens. Contudo, conforme a Associação Nacional dos Aparistas de Papel (ANAP), a situação se inverteu com a retomada da economia. No início deste ano, os preços comercializados eram similares aos dos primeiros meses de 2017, porém, ao longo dos últimos meses, este valor quase dobrou.
Segundo João Paulo Sanfins, vice-presidente da ANAP e sócio-diretor do Grupo CRB (Comércio de Resíduos Bandeirantes), após a pandemia os baixos preços exercidos desestimularam a coleta do material (por catadores e toda a cadeia).
“Nesse momento vivemos um cenário em que as fábricas estão demandando uma grande quantidade de aparas, mas esse material não está disponível no mercado”, explicou o executivo, em entrevista exclusiva ao Portal Packaging.
Dessa forma, os preços para adquirir as aparas está em um “rally de subida”, conforme Sanfins, diante do desequilíbrio entre a oferta e demanda. Para ele, os aparistas estão passando esses aumentos de forma até precipitada às vezes, para motivar a cadeia de reciclagem a coletar mais papel/papelão.
Em julho, as aparas marrons sofreram novos reajustes, ultrapassando os mil reais – ondulado I e ondulado II foram comercializados por, em média, R$ 1.139,12 e R$ 1.025,64 a tonelada fob depósito. O preço exercido representa um aumento de 15,5% e 17,7% em comparação ao mês de junho e de 67,2% e 78,6% na comparação anual, respectivamente, de acordo com dados da Anguti Estatística.
Nesse contexto, grandes players do setor de packaging são pressionados com a elevação de custos para sua operação, como a Smurfit WestRock, novo gigante global resultante da aquisição da WestRock pela Smurfit Kappa, e a Irani, uma das principais indústrias de papel e embalagens sustentáveis do Brasil, conforme indicam Manuel Alcalá, CEO da Smurfit Westrock no Brasil, e Sérgio Ribas, CEO da Irani, em entrevista exclusiva ao Portal Packaging.
USO DE MATÉRIA-PRIMA RECICLADA NA OPERAÇÃO
Embora a busca por matéria-prima reciclada esteja crescente, a fibra virgem (celulose) ainda possui forte presença no mercado, principalmente por possuir características específicas para produtos expostos a alta umidade, como nos segmentos de frutas e proteínas, grandes impulsionadores da expedição de papelão ondulado no país.
Na Smurfit WestRock, a divisão entre os uso dos dois tipos de fibras varia conforme a necessidade de cada cliente. “Valorizamos os diversos tipos de fibras, avaliando tecnicamente o melhor material para cada necessidade dos nossos clientes. A fibra reciclada pode ser utilizada na maior parte das soluções e conseguimos medir por meio das nossas ferramentas de inovação a resistência para proteger os produtos”, explicou Manuel Alcalá. “Nossa estratégia é valorizar a sustentabilidade do material, afinal somos a economia circular em ação, proporcionando a retirada de milhares de toneladas de papelão do meio ambiente para retomar ao mercado”, acrescentou.
Já a Irani, segundo Sérgio Ribas, alinha sua operação com 70% de fibras recicladas e 30% de fibra virgem, conforme os mercados que atende, considerando também o tamanho de sua base florestal para uma produção integrada.
Para adquirir a matéria-prima reciclada, as empresas contam com a parceria de aparistas, cooperativas, indústrias e varejistas nas regiões em que atuam, colaborando para uma logística mais otimizada. No caso da Smurfit WestRock, alguns clientes ainda realizam iniciativas de logística reversa, colaborando para o retorno da embalagem ao processo produtivo. No entanto, o desequilíbrio entre a alta demanda por aparas e a oferta apertada eleva os preços.
Na visão de João Paulo Sanfins, a maior dificuldade do setor é a falta de incentivo da coleta do material para a reciclagem, o que seria estimulado por uma maior estabilidade nos preços de compra, como já funciona com outras commodities de reciclagem – como no caso do alumínio – em que o catador sabe que o valor vai sempre estar acima de um certo mínimo que permite previsibilidade. “É necessário a busca por estabilidade de demanda, oferta e preço”, declarou.
IMPORTAÇÃO DE APARAS TENTA FREAR ASCENSÃO DOS PREÇOS
Enquanto esse cenário permanece desafiador, algumas empresas podem optar pela importação de aparas do mercado externo. Conforme explica Ribas, normalmente o mercado interno é suficiente para atender as necessidades do setor, e quando ocorre a importação, o percentual tende a ser baixo. Para Alcalá, a alternativa é viável quando necessário para garantir o suprimento adequado para seus clientes, mesmo com valor mais elevado.
De acordo com a ANAP, recentemente foram importadas 45 mil toneladas de papelão, principalmente dos EUA, a um preço 30% superior ao oferecido no mercado interno, como forma de evitar aumentos no valor da matéria-prima obtida no Brasil.
Essa movimentação sinaliza que o setor já tem absorvido custos adicionais há algum tempo. “As aparas representam cerca de 50% do custo do papel, assim o impacto é extremamente forte para a indústria, que precisa se rentabilizar para continuar investindo na atualização do seu parque fabril com o objetivo de permanecer desenvolvendo suas operações tecnologicamente”, enfatizou o CEO da multinacional.
Nesse sentido, como setor que fornece embalagens para outras organizações de diversos segmentos, o repasse de custos do mercado de packaging pode reverberar em outros. “As empresas vão buscar reposição dessa elevação de custos, gerando aumento de preços nos seus produtos”, sinalizou o CEO da Irani, referente à indústria de embalagens.
Em 2022, de acordo com dados da ANAP, no mercado brasileiro foram mais de 7,44 milhões de toneladas de consumo aparente de papel reciclável e 4,85 milhões de toneladas de papéis coletados, resultando em uma taxa de 65,2% de coleta e somando um faturamento de R$ 4,3 bilhões.
IMPACTO NAS COOPERATIVAS E INCENTIVOS GOVERNAMENTAIS
O aumento de custos não tem prejudicado apenas a indústria de papel e embalagens, como também as cooperativas. O vice-presidente da ANAP reforçou que, nos últimos cinco anos, a inflação dos custos operacionais teve grande impacto no setor, com margens de lucro cada vez menores.
“O valor do material sendo alto ou baixo, aquele resíduo continua sendo gerado mensalmente. Existe toda uma rede de fornecimento e coleta que vive da comercialização desse material, e quando o valor está muito baixo essa rede é desestimulada e desestruturada. Se uma cooperativa vende 100 toneladas de papelão em um mês por R$ 1 o kg, poucos meses depois, está vendendo a mesma quantidade por R$ 0,50 o kg – é metade do faturamento, metade da renda, mas o custo se mantém, e com isso a cooperativa não tem condição de remunerar a mesma quantidade de cooperados de forma justa”, elucidou João Paulo. “Além dos nossos custos operacionais, temos uma obrigação social com a cadeia da reciclagem, são milhares de famílias que vivem da coleta”, completou.
O executivo ainda ressalta os desafios tributários que o segmento de recicladores enfrenta: “O setor vive o desafio da ‘bitributação’ das aparas, papéis e embalagens produzidos a partir delas, quando se fala de ICMS, PIS, Cofins e IPI”.
Recentemente, o Governo Federal realizou uma ação conjunta da Fazenda com o Ministério do Meio Ambiente, como iniciativa do Plano de Transformação Ecológica para fortalecer e estruturar o setor. O conjunto de ações totalizam R$ 425,5 milhões, sendo R$ 300 milhões em incentivos tributários, via Lei de Incentivo à Reciclagem (LIR), chamada “Lei Rouanet da reciclagem”, com objetivo de aumentar os investimentos no setor. A LIR criou também o Fundo de Apoio para Ações Voltadas à Reciclagem (Favorecicle) e os Fundos de Investimentos para Projetos de Reciclagem (ProRecicle).
Conforme Sanfins, apesar de ser uma iniciativa favorável para os recicladores, ainda é necessário observar a normalização formal de como o recurso pode ser utilizado. “É importante ressaltar que o valor disponibilizado vai surtir maior efeito se aplicado aos recicladores, que ao possuírem maior demanda por material, vão inflacionar o preço das aparas, dessa forma o catador que está lá na ponta vai sofrer maior impacto com aumento da sua renda. Esperamos que o recurso seja destinado a soluções de longo prazo, que buscam resolver o problema do setor”, avaliou.
“Devemos incentivar políticas públicas de reciclagem para aumentar a coleta do material em todas as regiões do país para que a cadeia fique mais estável e as indústrias possam seguir se desenvolvendo e apoiando o crescimento econômico das comunidades onde atuam”, considerou o CEO da Smurfit WestRock.
CENÁRIO PARA O CURTO PRAZO
Sérgio Ribas relembra ainda que o segundo semestre tem uma sazonalidade mais alta de papéis. No caso da Irani, há uma autossuficiência na produção de papéis, contudo, o setor pode observar uma demanda ainda mais alta por matéria-prima, como a necessidade de aparas está diretamente ligada ao crescimento do mercado de embalagens em geral.
Tendo em vista essa relação, João Paulo Sanfins destaca a importância da indústria para promover a economia circular: “Aparas são resíduos das próprias embalagens produzidas pela indústria papeleira. É necessário olhar a reciclagem não somente como redução de custo, mas como um compromisso ambiental de responsabilidade estendida do produtor”.
“Outra forma de ajudar é se unindo à ANAP na luta por benefícios para a reciclagem junto ao governo. Fazer com que o ato de usar matéria-prima reciclada traga benefícios tributários para o reciclador e para o consumidor”, completou.
Para Manuel Alcalá, mesmo diante deste cenário desafiador, a Smurfit WestRock ainda enxerga oportunidades no Brasil: “Continuaremos investindo no país de maneira estratégica e unindo os dois tipos de fibra para atender as necessidades dos nossos clientes, sempre buscando a melhor solução”.
Marco Legal do Saneamento Básico, de 2020, prevê fim do descarte de lixo em locais inadequados até agosto deste ano. No entanto, ainda há mais de 3 mil depósitos de lixo a céu aberto no país
O descarte irregular de lixo pode alavancar problemas ambientais e causar danos à saúde da população que vive em locais onde não há coleta seletiva. Lixões, aterros controlados, valas, vazadouros e áreas similares são alguns dos exemplos de locais onde não há um tratamento adequado para os resíduos que são descartados na natureza.
De acordo com o novo Marco Legal do Saneamento Básico, promulgado em 2020, todos estes locais deveriam ser desativados até o dia 2 de agosto, mas o cenário ainda é bem diferente. De acordo com o último relatório conduzido pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), 27,9 milhões de toneladas de resíduos sólidos são descartados de maneira irregular no Brasil, o que corresponde a cerca de 39% de todo lixo gerado no país. Os dados constam do estudo Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023. O documento mostra que há cerca de 3 mil lixões ou aterros controlados ativos no país.
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, faltam incentivos necessários para impulsionar o descarte adequado e o aumento da reciclagem no país. Alta carga tributária e falta de suporte aos catadores são os temas mais recorrentes na visão de analistas, que acreditam que o Brasil deve percorrer um longo caminho para cumprir as metas estabelecidas no Marco do Saneamento e no Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), de 2022.
“Falta fechar os lixões. O Brasil deveria estar livre de todos os lixões ainda existentes até agosto de 2024, mas essa meta não será cumprida. Ainda convivemos com mais de 3 mil depósitos de lixo a céu aberto sem qualquer tratamento ambiental ou econômico”, observa o presidente da Abrema, Pedro Maranhão, que acredita que, com a substituição dos lixões por aterros sanitários, surgem diversas oportunidades de negócio no reaproveitamento de resíduos.
Tributação
Ele acrescenta que a questão tributária é outro problema grave. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a isenção de tributos na venda de materiais reciclados, o que, para o presidente da associação, torna os produtos reciclados mais caros que os similares recém-fabricados. “Defendemos a isenção tributária e autorização para a indústria a aproveitar crédito tributário ao adquirir material reciclado. Somente com medidas como essas poderemos ter esperança de atingir as metas estabelecidas no Planares”, avalia. A decisão da Suprema Corte foi alvo de recurso e a decisão final ainda não foi proferida.
No Brasil, foram geradas mais de 77 mil toneladas de resíduos sólidos nas cidades em 2022, o que corresponde a uma média de 380 kg por habitante. O Sudeste é, de longe, a região com a maior quantidade de lixo descartado no país, e é responsável por, praticamente, a metade de todos os resíduos gerados nacionalmente. Na sequência, são listados Nordeste (24,6%), Sul (11%), Centro-Oeste (7,7%) e Norte (7,3%).
Desigualdades
Apesar da expressiva quantidade de lixo, o levantamento indica que apenas 14,7% da população brasileira é atendida por coleta seletiva em casa. Essa realidade se torna ainda mais desigual quando a análise é feita por regiões. Enquanto no Sul e no Sudeste, a coleta atinge, respectivamente, 31,9% e 20,3% dos cidadãos, no Norte e no Nordeste, esse índice não passa de 2%.
“O país tem as suas desigualdades regionais, isso é muito claro quando a gente olha os dados, tanto de saneamento básico, água e esgoto, quanto na questão do lixo”, aponta o especialista em saneamento básico, Leandro Frota. “São vários ‘brasis’ dentro de um Brasil. Está avançando, mas tem muito ainda o que fazer e eu ainda acho que nós estamos atrasados, mas, com esperança e com avanços”, completa.
Além das disparidades regionais, o especialista afirma que há outro problema que não é mensurado: a coleta de lixo nas áreas rurais. Na avaliação de Frota, isso pode ser considerado um problema crônico do país. “Esse distanciamento dos centros urbanos acaba sendo muito ruim, primeiro, porque a maioria das cidades não tem estrutura de pessoal e orçamentária. Além disso, tivemos uma mudança de governo. Então você acaba tendo que parar um pouco a máquina pública para conhecer aquela crítica pública que você entende ser estratégica, ou não”, sustenta.
Com o descarte irregular em alta, um dos maiores desafios do Brasil é conseguir expandir a reciclagem de resíduos sólidos. O último Índice Nacional de Recuperação de Resíduos (IRR), de 2021, aponta que apenas 1,67% dos resíduos sólidos foram reutilizados, reciclados ou aproveitados energeticamente. Além disso, as projeções mais otimistas indicam que essa variável pode chegar a até 4%.
Mesmo no melhor cenário, o Brasil está longe de atingir a meta estabelecida no pelo Planares, que estabelece um IRR de 48,1% em 2040. Para o consultor de Sustentabilidade da BMJ Consultores Associados, Felipe Ramaldes, gargalos sociais e econômicos impostos pela realidade continental do país são alguns dos empecilhos para o aumento deste índice.
“A questão da reciclagem é um desafio ainda a ser enfrentado no Brasil. Apesar de alguns materiais, como o alumínio e até o papel, por exemplo, terem bons índices de reciclagem, outros como o plástico, vidro e metais enfrentam gargalos grandes que vão desde a falta de destinação adequada aos resíduos até a baixa reciclabilidade de alguns produtos”, comenta.
Além disso, o especialista avalia que, no aspecto econômico, o gasto para o país com limpeza urbana é muito alto. Dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) apontam que os gastos com limpeza urbana — desde a varrição de ruas até a coleta e o transporte — estão entre os cinco maiores gastos dos municípios no país.
De acordo com a associação, as prefeituras gastam, em média, R$ 124,44 por cidadão, por ano, com a limpeza urbana. “O reaproveitamento de materiais por meio da reciclagem apresenta um potencial interessante para o país por favorecer o reencontro da matéria-prima com a cadeia de produção e por contribuir para a redução da exploração agressiva de matérias-primas virgens, algo que desgasta cada vez mais o meio ambiente”, analisa Ramaldes.
Parceria entre SLU e catadores diminui os danos
Os serviços de limpeza urbana (SLU) foram criados no Brasil no século 19, com o objetivo de garantir a remoção dos acúmulos de lixo que eram gerados nos principais centros urbanos do país. Presente no Distrito Federal desde 1961, o SLUDF aumentou seus gastos com limpeza de R$ 28,2 milhões para R$ 42,5 milhões anuais, entre 2021 e 2022.
No ano passado, 53 mil toneladas de lixo reciclado foram coletadas pelos serviços. Todo esse material foi encaminhado para organizações de catadores. Atualmente, o SLU está presente em 94% da região geográfica do DF, e fica de fora apenas do Sol Nascente/Pôr do Sol e de Água Quente — a mais nova região administrativa do DF, fundada em 2022.
No DF, o serviço é um dos poucos a firmar contratos com catadores para a coleta seletiva e triagem do lixo nos aterros. Hoje, essas parcerias são estabelecidas com as cooperativas e associações de catadores da região. Segundo o chefe da Unidade de Sustentabilidade e Mobilização Social do SLUDF, Francisco Mendes, o serviço possui 42 contratos com esses grupos, atualmente.
“Nós fizemos o primeiro contrato com quatro cooperativas, abrangendo 5 RAs, em 2016. Em 2017, nós passamos a contratar para o serviço de triagem, até então a gente já vinha mandando toda coleta seletiva por empresas para organizações de catadores. Então em 2017 a gente começou a ampliar, 2018, 2019, e hoje nós estamos com 42 contratos”, explica Mendes.
A previsão orçamentária atual para o SLU é de R$ 18 milhões. Apesar disso, o chefe de sustentabilidade explica que esse número chega a, no máximo, R$ 3 milhões. Isso porque o sistema adotado pela autarquia nos contratos com os catadores estabelece o pagamento por produção, e não por um valor fixo.
Sobre a situação atual da coleta seletiva no DF, Francisco Mendes afirma que isso envolve uma série de desafios que não são tão simples de resolver. “Por exemplo, em Águas Claras tem 20% ou 30% da população que separa (o lixo) legal. Só que isso tudo vai para os mesmos contêineres. Então aquele resíduo que está bem separado vai ser contaminado por aquele que não está”, esclarece.
Incentivos
Na visão do chefe de sustentabilidade do SLU, há um grande desafio para o aumento da reciclagem no Brasil, que passa pela cultura da população. Apesar de não ser uma realidade que possa ser alterada da noite para o dia, ele afirma que já há melhorias e que poderiam ser alavancadas com incentivos da indústria para a logística reversa.
“Eu acho que isso passa pelo custo. Se a logística reversa fosse mais eficiente no nosso país, a gente teria um resultado muito mais rápido e abrangente. Porque o papel da logística reversa é assumir esse custo de colocar a embalagem no mercado e recolher essa embalagem de volta, assumindo todo esse custo. Faz parte do produto dela”, avalia.
A logística reversa é uma espécie de ciclo. Neste sistema, a indústria pode fabricar um produto já com a intenção de facilitar o retorno da embalagem para o estágio inicial, no qual são realizadas coletas e seleções para verificar se o produto pode, ou não, voltar a ser comercializado no mercado. É considerado um potencializador da reciclagem.
Na avaliação do presidente da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap), Marcelo Bellacosa, e do vice, João Paulo Sanfins, também faltam incentivos do governo federal para tornar a logística reversa mais atraente para o setor industrial. Em dezembro do ano passado, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva prometeu que levaria à frente uma lei para tornar obrigatória a logística reversa. Apesar disso, o setor reclama que não houve movimentos em direção a isso.
“Isso é muito crítico, porque faz com que a indústria tome ações como ela tomou. Ações que fazem com que ela pare de usar o reciclado, use somente a fibra virgem ou compre resíduos de outros países, como aconteceu na pandemia”, sustenta João Paulo. O setor de aparas de papel é um dos que sofre a maior desvalorização desde o início da pandemia. Segundo os aparistas, essa desvalorização chega a mais de 75%.
“Então o cara vai parar de fazer isso e vai fazer outra coisa. Aí quando o preço sobe de novo, ele já está fazendo outra coisa e não vai voltar, a não ser que você convença ele a voltar a pegar material reciclado. Então fica nessa montanha russa que sobe e desce depressa e que não tem uma regra”, lamenta o presidente da Apas, Marcelo Bellacosa.
Apesar da falta de incentivos do governo, o especialista em saneamento básico, Leandro Frota, avalia que não deve haver mudança em médio ou longo prazo sem a conscientização da população sobre o descarte seletivo.
“É claro que eles (governo) têm a obrigação constitucional, para a qual cada um que foi eleito. Mas a população tem a obrigação de cuidar do seu lixo”, reforça.
A indústria de papéis reciclados, em particular o segmento que reúne os aparistas — que compram resíduos de papel de cooperativas, sucateiros e catadores e vendem as aparas aptas à reciclagem para fabricantes de embalagens de papelão ondulado e papel cartão e de papéis de higiene (tissue) —, está vivendo uma das piores crises de sua história.
O alerta é da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap), que indica que, depois da pandemia de covid-19, que num primeiro momento levou à escassez de material pós-consumo para reciclagem e à disparada dos preços das aparas, o cenário mudou drasticamente.
Com o excesso de oferta de papéis de fibra virgem (obtidos 100% a partir da celulose) nos mercados doméstico e internacional, muitos produtores de embalagens deixaram de usar matéria-prima reciclada em suas receitas. Além disso, os preços da celulose sofreram forte correção no mercado global até meados de 2023, incentivando seu consumo pelas papeleiras.
Maior produtora de papéis de embalagens de papelão ondulado e de papéis de embalagem do país, a Klabin colocou em operação duas novas máquinas de papel — de kraftliner e papel cartão, com capacidade produtiva de 450 mil e 460 mil toneladas, respectivamente. Ao mesmo tempo, suspendeu as operações em unidades de reciclados, dando preferência para a fibra virgem em suas embalagens. A companhia já começou a retomar a produção de reciclados.
“A indústria [papeleira] voltou a comprar aparas mais recentemente, mas os preços ainda não estimulam a atividade”, diz o vice-presidente da Anap, João Paulo Sanfins. No melhor momento da pandemia, o quilo da sucata de papelão custava R$ 2,00. No piso, o preço chegou a R$ 0,50. Atualmente, está em R$ 0,80, queda de 60%.
Segundo o empresário, a combinação de maiores importações no momento em que faltavam aparas no mercado doméstico — resíduos de papel entraram no país sem controle e, em 2023, o governo teve de intervir para limitar as compras externas, não só de resíduos de papel, mas de plástico e vidro — e estoques da matéria-prima ainda elevados seguem desestimulando a atividade.
No ano passado, o volume total coletado pelos aparistas deve ter recuado cerca de um terço frente as 4,9 milhões de toneladas de 2022, mas há alguns sinais animadores no horizonte. Relatório mensal do setor produzido pela GO Associados para a Anap mostra que, em fevereiro, o consumo total de aparas de papel caiu 1,82% frente a janeiro, puxado por aparas de papel de embalagem (-1,8%) e de papel de imprimir e escrever (-6,6%). Na comparação anual, contudo, houve alta em todas as categorias analisadas, com destaque para embalagens, com alta de 12,5%.
Apesar do fôlego recente, o estrago na cadeia de valor já está feito, diz Sanfins. “Faltou uma visão estratégica da indústria papeleira sobre a cadeia de suprimentos. Para cada uma tonelada [de aparas] que a indústria deixa de comprar e uma tonelada de fibra virgem que passa a produzir, são duas toneladas a menos de mercado para os aparistas”, destaca.
A demanda enfraquecida e os preços das aparas de papel, neste momento, pouco acima do piso histórico levaram à desorganização da cadeia de coleta, já que os valores praticados são insuficientes para atrair de volta parte dos catadores e cooperativas que antes se dedicava à coleta também de papel usado.
Conforme o empresário, que está à frente da Comércio de Resíduos Bandeirantes (CRB), empresa da família com meio século de história instalada em Belo Horizonte, muitos deixaram de coletar resíduos de papel, o que significa que há mais caixas e outros produtos de papel indo para o aterro sanitário e não para a reciclagem, para se dedicar à coleta de plásticos ou outras atividades.
Além da maior consciência da indústria papeleira sobre a relevância dos aparistas para toda a cadeia de reciclagem do papel, o setor busca que o governo seja mais rigoroso na defesa e proteção da economia circular. O uso de papel reciclado, por exemplo, poderia ser compulsório, como já acontece em alguns países europeus, e a adoção da logística reversa poderia ter regras mais efetivas. “É importante termos mais previsibilidade”, diz o empresário.
O Brasil é uma das referências globais na reciclagem de papéis o geral, com taxas que se aproximam dos 70%. Já a Anap conta com 55 aparistas associados, que representam cerca de 35% do volume total transacionado no país.
Representante da terceira geração à frente da CRB (Comércio de Resíduos Bandeirantes), empresa criada há 50 anos pelo seu avô em Belo Horizonte (MG), João Paulo Sanfins vivencia no cotidiano de um negócio familiar os efeitos de um cenário de forte instabilidade que afeta o segmento de reciclagem de papéis no Brasil. Mas é como vice-presidente da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap), composta por 55 associadas, que ele tem uma visão macro da crise histórica enfrentada pelo setor, agravada no pós-pandemia da Covid-19.
Sanfins aponta o excesso de estoques nacional e global, além da preferência das indústrias de embalagens de papel pela celulose virgem, como as principais causas desse cenário. Alerta, também, que somadas à questão econômica, as dimensões social e ambiental estão em jogo no país. “Essa situação não é sustentável no longo prazo”, opina. À frente de uma empresa geradora de cerca de 120 empregos diretos, com 2 mil fornecedores da Região Metropolitana de Belo Horizonte, ele afirma que não costumava conversar com os concorrentes. “Mas a crise está tão grande que temos buscado dialogar e o que sabemos é que todo mundo está perdendo”, relata.
O setor que gera cerca de 40 mil empregos diretos coletou 4,9 milhões de toneladas em 2022, mas deverá fechar o balanço de 2023 com queda expressiva, segundo previsto pela Anap. Embora os números totais do ano passado ainda não estejam consolidados, estimativas preliminares dão conta de que 67 empresas do país coletaram 1,6 milhão de toneladas, o que representa 33% do volume do ano anterior. Para o vice-presidente da instituição, está difícil equilibrar os pilares ambiental, social e econômico nesse ramo de atividade.
Os preços desse mercado ilustram o cenário de crise. De R$ 2,00, por quilo, alcançados na pandemia, o preço do papelão despencou para R$ 0,50, no ano passado, sacrificando catadores e recicladores, segundo Sanfins. O mesmo ocorreu com o papel branco. Para driblar os altos custos de energia, combustíveis, equipamentos, entre outros insumos, “todo mundo teve prejuízo e precisou liquidar patrimônio para sobreviver”, observa. “O setor andou para trás”, acrescenta.
Ele ressalta que, como envolvem commodities, os preços desse mercado de reciclagem são ditados pela lei da oferta e demanda internacional, fortemente alterada pelos efeitos da crise sanitária, quando houve uma corrida global das empresas para a formação de estoques de materiais, principalmente para a fabricação de embalagens, muito demandadas pelo avanço das compras online. Passado o período mais crítico, os altos estoques não utilizados pelas indústrias mundo afora jogaram os preços para baixo.
Outra característica nacional é analisada nesse contexto pelo vice-presidente da Anap. Ele ressalta que o mercado de produção de caixas e embalagens, que até duas décadas envolvia muito mais empresas, tornou-se mais concentrado no Brasil. Na atualidade, grandes indústrias estão na linha de frente desse tipo de produção “e suas decisões têm impacto no mercado”, opina.
“A gente faz um apelo ao governo para que os recicladores tenham tratamento diferenciado e que a reciclagem seja mais valorizada”, alerta Sanfins. E reitera que o material reciclável, já tributado originalmente, ao ser reciclado sofre uma nova tributação. Esse é um debate que se arrasta sem solução há anos e que ainda tem muito a avançar no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que, com mais de uma década de existência ainda enfrenta percalços na sua implementação.
Da mesma forma, o setor acompanha com expectativa a tramitação do Projeto de Lei 4.035, de 2021, de autoria do deputado federal Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), que propõe a isenção de PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) nas vendas de materiais recicláveis às grandes indústrias. Organizações como o Instituto Nacional da Reciclagem (Inesfa) também defendem essa solução.
Enquanto essas e outras soluções não se confirmam, o vice-presidente da Anap apela aos consumidores, para que sejam mais exigentes com as empresas das quais compram seus produtos. Para ele, é preciso cobrar que a produção industrial faça mais uso de materiais recicláveis. “Todo mundo gosta de falar de sustentabilidade, mas como se faz para que isso não fique apenas no discurso?”, questiona.
Pedro Villas Boas, diretor geral da Anguti e ex-presidente da Anap, analisou os desafios enfrentados pelo setor de reciclagem de papéis diante do excesso de estoques e dos entraves tributários
A indústria brasileira de reciclagem de papel enfrenta uma crise profunda, caracterizada por um excesso de estoques e pela complicada paisagem tributária. Em uma conversa esclarecedora conduzida no Talk Packaging, Felipe Quintino, CEO do Nexum Group, dialogou com Pedro Villas Boas, diretor geral da Anguti e ex-presidente da Anap, cuja experiência de décadas no setor ofereceu uma visão aprofundada do cenário atual.
Villas Boas identificou que o mercado de aparas, especialmente as de embalagem, é fundamental para a reciclagem de papel no país, destacando: “O mercado de aparas, para uma análise precisa, deve ser dividido em três categorias distintas: aparas marrons, de embalagem – que representam 85% de todo o consumo de aparas – e as brancas. O mercado de aparas de embalagem, principalmente caixas de papelão, está enfrentando um grande impacto devido à entrada em operação de grandes unidades produtoras de papel de fibra virgem”.
O aumento significativo da capacidade de produção de papel de fibra virgem, com a entrada em operação de máquinas de empresas como a WestRock e a Klabin, resultou em um excesso de oferta, prejudicando a reciclagem. Villas Boas destacou que a Klabin teve que parar algumas de suas unidades de reciclagem devido à situação, contribuindo para a queda nos preços das aparas.
“Quando o preço cai, desestimula a coleta. Hoje, você pode ver caixas de papelão na calçada, sem serem coletadas. Isso infelizmente acaba indo para o lixo”, afirmou o executivo. Além disso, ele ressaltou os desafios tributários enfrentados pelo setor, especialmente em meio à reforma tributária em curso, que pode aumentar os impostos sobre produtos reciclados.
No entanto, há sinais de mudança no horizonte. Villas Boas observou um aumento na demanda por aparas recentemente, o que pode indicar uma possível reversão do cenário atual. Com o crescimento contínuo da indústria de embalagens e o aumento das vendas no varejo, espera-se um incremento na demanda por papel reciclado.
Apesar disso, o entrevistado levantou preocupações sobre a dependência do mercado nacional de importações de papel cartão, o que afeta negativamente os preços das aparas e a indústria nacional. Ele enfatizou a necessidade de encontrar novos usos para os papéis reciclados e buscar soluções em colaboração com os usuários de embalagens.
No Brasil, enquanto as recicladoras de plásticos enfrentam cenários de ociosidade de até 40% de sua capacidade instalada, grande quantidade de embalagens e de produtos fabricados a partir desses materiais vai parar em aterros sanitários ou em lixões a céu aberto, além de ser também lançada diretamente nos corpos d’água. Dados da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) indicam que a produção do setor, em 2022, alcançou 6,7 milhões de toneladas e que a reciclagem foi de 25,6% naquele ano. Ainda que o percentual tenha avançado, nos últimos anos, uma série de deficiências contribui tanto para o descarte inadequado como para a falta de melhor aproveitamento de matéria prima reciclável nessa cadeia produtiva.
Uma ilustração da gravidade do problema é sinalizada por estimativas do relatório Um Oceano Livre de Plástico, da organização ambientalista Oceana Brasil. Segundo essa publicação, 325 mil toneladas de materiais plásticos são lançadas anualmente nas praias e no Oceano Atlântico, ameaçando a biodiversidade marinha e a própria saúde humana no país. Não por acaso, mais de 70 entidades e cientistas brasileiros assinaram um manifesto, dirigido à Casa Civil da Presidência da República e a vários ministérios, cobrando uma postura firme do governo brasileiro nas negociações que se desenrolaram de 23 a 29 de abril, em Ottawa, Canadá, onde representações diplomáticas e outros atores sociais estiveram discutindo as bases para o Tratado Global contra a Poluição Plástica, demanda internacional considerada urgente.
No Brasil, até mesmo o PET, um dos tipos de plásticos mais consumidos e reciclados no país, por isso mesmo o mais valorizado nessa cadeia produtiva, poderia ser muito melhor aproveitado como matéria-prima. O nível de ociosidade das empresas recicladoras desse material varia entre 30% e 40%. As fabricantes desse segmento de mercado no Brasil têm uma capacidade instalada para produzir anualmente 1 milhão de toneladas de resina virgem, enquanto o seu índice de reciclagem alcançou 56,4% das embalagens pós-consumo, em 2021, o que representou um crescimento de 15,4% em relação a 2019, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de PET (Abipet), no último censo realizado e divulgado em 2022.
Auri Marçon, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet), argumenta que, embora o PET não tenha gargalos tecnológicos para ser reciclado, esse é um dos grandes problemas de outros tipos de plásticos que, somados a esse fator, podem enfrentar baixa demanda mercadológica, além de limitação de capacidade industrial instalada e de coleta seletiva nos municípios brasileiros. Para a superação desses dilemas, ele opina que alguns fatores podem atuar como impulsionadores de mudanças, dentre os quais, exigências regulatórias, processos de governança de grandes fabricantes e consumidoras de materiais plásticos, além de cobranças da sociedade.
No caso específico do PET reciclado, Marçon afirma que o principal gargalo se refere à limitação de separação na fonte, tendo em vista a baixa cobertura de coleta seletiva no país, levando as empresas recicladoras a níveis de ociosidade considerados preocupantes. “Muitas empresas investiram alto e hoje não têm oferta de matéria prima”, observa. Apesar dos percalços, essa cadeia produtiva mostra que ainda tem força econômica. Com 46 empresas de reciclagem de PET associadas à Abipet, além de mais de 120 que utilizam PET reciclado em seus produtos, esse é um segmento de mercado com faturamento de R$3,5 bilhões anuais, dos quais R$ 1,5 bilhão envolve sucateiros e catadores. No entanto, no que se refere especificamente aos catadores, não se pode desconsiderar que seus ganhos são cada vez mais reduzidos, como ilustrado nesta reportagem.
Mas como todos os demais materiais recicláveis são commodities precificadas em dólar internacionalmente, o setor enfrenta também a sua crise, ditada pela dinâmica da chamada lei da oferta e da demanda que move a economia global. Assim como ocorreu com o papel e o papelão, tema de reportagem publicada pelo ((o))eco em março, os preços dos recicláveis de plástico despencaram no pós-pandemia da Covid-19, após terem alcançado níveis históricos de valorização durante a crise sanitária, quando as empresas mundo afora fizeram altos estoques devido à falta de matéria prima.
Historicamente, Marçon ressalta que o PET “não nasceu para a garrafa”, a forma como se popularizou mundialmente. Foi criado para a indústria têxtil, onde somado ao algodão passou a compor, principalmente, a produção de vestuário, além de edredons, mantas e outras peças. Anualmente, 24% desse material reciclado têm como destino esse segmento. Mas observando suas características próprias, como a alta capacidade de proteção das embalagens de bebidas, tornou-se o preferido desse segmento de mercado para embalar água, sucos, refrigerantes, óleos e outros produtos como materiais de limpeza e cosméticos.
Mas a sua aplicabilidade é considerada tão versátil que, como exemplificado por ele, no segmento automotivo já é 100% destinado pelas montadoras para forrações dos automóveis. Além de ser utilizado pelas indústrias de tintas, materiais escolares, óculos de segurança, móveis e utensílios domésticos, quando misturado à fibra de vidro resulta em piscinas, entre tantas outras formas de aproveitamento como matéria prima. “Tudo é possível se fazer com o PET reciclado”, adianta. No caso da volta à cadeia alimentícia, essa alternativa de reciclabilidade se tornou possível, há mais de uma década, pela tecnologia conhecida como bottle-to-bottle (de garrafa a garrafa), o que representou a possibilidade de fechar o seu ciclo de vida. Pelo último censo da Abipet, 29% das embalagens de PET reciclado voltaram a ser garrafas.
O presidente da instituição ressalta, ainda, o papel fundamental dos serviços prestados pelos catadores de materiais recicláveis. “São eles que sustentam a indústria de reciclagem no Brasil”. Mas para ele, somente esse apoio não será capaz de expandir a reciclagem de plástico e outros materiais, processo que, segundo opina, depende de ajustes em carga tributária, fiscalização da implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para todos os segmentos sociais e ações de educação ambiental. “O Brasil pode ser forte na indústria de reciclagem”, conclui.
Do luxo ao lixo, como o consumo de plástico se expandiu
No início do século passado, somente a população mais rica tinha acesso a produtos plásticos. No Brasil, as matérias primas do plástico daquela época eram de origem natural, como a borracha extraída das seringueiras da Amazônia. Como observa o engenheiro metalúrgico Carlos Alberto Mendes de Moraes, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), na era da sociedade do consumo, não haveria floresta capaz de suprir tal demanda que só cresceu, desde então, possibilitada pelas alternativas derivadas de petróleo, cujos impactos ambientais ainda estão longe de serem resolvidos pelas empresas, pelo poder público e outros atores sociais. Assim, o que um dia já foi luxo, se tornou, majoritariamente, um tipo de lixo que preocupa pelo seu alcance global na natureza, sobretudo, em cenários de agravamento da perda de biodiversidade e da crise climática.
Ele recorda que o avanço da produção do plástico foi se consolidando a partir da década de 1950, possibilitando, gradativamente, que esse tipo de material se tornasse um dos mais consumidos mundialmente. Barateado pela produção em larga escala, o plástico foi transformado em uma espécie de “mal necessário”, como avalia.
Porém, para substituir aço e alumínio, materiais mais usados no passado, a grande quantidade de plástico produzida passou a esbarrar em um problema: o uso de aditivos para garantir o aumento da sua resistência, como explica Moraes. Esse é o caso do filme plástico. Largamente utilizado nos últimos anos, para proteger alimentos da umidade, é cada vez mais associado a riscos à saúde humana, além de ser impactante para a natureza e de baixo índice de reciclabilidade. “Tudo isso torna os plásticos cada vez mais complexos e a sua reciclabilidade também. No caso das latinhas de alumínio, quase 100% do que se produz volta a ser latinha de novo. Com o plástico não é assim”, acrescenta o professor.
Moraes também apresenta críticas ao processo de rotulagem de produtos no Brasil. O plástico laminado, por exemplo, fortemente utilizado para embalagens de chocolates, biscoitos e outros alimentos, é considerado um material composto de difícil reciclagem. Com isso, esses e outros, carregados de aditivos, chegam às cooperativas de catadores, mas não se prestam à reciclagem e são descartados para os aterros sanitários. Nesta reportagem, uma liderança comunitária narra problemas desse tipo na cooperativa que preside em Porto Alegre.
O professor também chama atenção para o avanço da presença do microplástico nas águas de rios, lagos e mares do Brasil e do mundo. Ele alerta, como exemplo, que casacos de poliéster não foram feitos para ser lavados em máquinas. Mas a comodidade que esse tipo de lavagem promove no cotidiano doméstico acaba transformando resíduos dessa fibra em microplástico que está afetando a biodiversidade marinha, a cadeia alimentar e alcançando a saúde humana já que o material continua se quebrando em minúsculas partículas em contato com a natureza. Não por acaso, microplásticos já foram encontrados em partes do corpo humano, até mesmo na placenta e no coração, além de atingir distâncias cada vez mais profundas nos oceanos.
Diante da expansão do consumo de plásticos, como os de uso único, e da falta de solução para a correta destinação desse tipo de material nas cidades, Moraes defende que é preciso rever processos produtivos a fim de evitar cada vez mais o seu contato com os alimentos e o corpo humano, além de contaminar o ambiente. Ele menciona, por exemplo, que também considera “um crime” o uso de plástico para o aquecimento de alimentos no forno de microondas. Além dos riscos em potencial para a saúde, por mais que os fabricantes digam o contrário, esses utensílios com resíduos de gordura não têm valor para a reciclagem.
Da mesma forma, o professor afirma seu posicionamento contrário ao controverso processo de incineração de resíduos sólidos, alternativa já defendida por muitas prefeituras pelo Brasil afora, como forma de facilitar a gestão de lixo urbano. No caso dos plásticos, ele alerta que existem mais de 60 mil tipos de polipropileno, composto químico central dessa indústria. Diante disso, afirma que não se pode garantir que não haverá riscos ambientais e para a saúde pública nesses processos. “Isso é para facilitar a vida do poder público e reduzir a responsabilidade de coleta e triagem, além de favorecer interesses econômicos”, opina. “Quando o poder público opta pela incineração está sinalizando para a sociedade que está lavando as mãos diante do problema da gestão de resíduos”, acrescenta o especialista que integra a Frente Nacional Contra Incineração, movimento que tem se fortalecido na luta contra esse tipo de tecnologia no Brasil, já considerada ultrapassada e abandonada por países desenvolvidos como a Alemanha.
Para ele, em vez de investir nessa alternativa, é preciso readequar a produção industrial, fortalecer as ações de coleta seletiva nas cidades, destinando materiais plásticos recicláveis para as cooperativas de catadores, e fortalecendo, assim, uma cadeia produtiva formada por muitos elos.
Empresário acredita em mudança de cenário e quer investir mais em reciclagem de plástico
Muitas das questões apresentadas até aqui também são mencionadas por João Paulo Sanfins, diretor da CRB (Comércio de Resíduos Bandeirantes), recicladora instalada em Belo Horizonte há 50 anos.Como vice-presidente da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap), composta por 55 associadas, ele foi ouvido em reportagem publicada pelo ((o))eco, em março, sobre a crise na reciclagem de papéis. Nessa instituição, 94% das associadas trabalham com a gestão da reciclagem de plástico e estão enfrentando prejuízos causados pela ociosidade que afeta o setor. “Observamos muitos gastos em marketing, mais do que em ações concretas pela sustentabilidade”, opina criticamente sobre o uso do discurso de sustentabilidade que não se reflete em ações empresariais práticas pela chamada economia verde.
Como parte das soluções para os problemas enfrentados, ele defende mudanças técnicas envolvendo o design de embalagens, a fim de garantir a circularidade, além da reestruturação da cadeia de catadores, recicladores e outros elos, a partir do fortalecimento da logística reversa. “Grandes empresas já estão pensando na questão do design para a circularidade, considerando embalagens que têm, por exemplo, várias camadas formadas por tipos de plásticos diferentes que dificultam a reciclagem”, observa.
Por outro lado, ele opina que para haver algum nível de equilíbrio econômico dos recicladores no Brasil, o ideal seria que o preço do plástico reciclável (entre R$ 7,00 e R$ 8,00, por quilo) fosse equiparado ao das resinas de plástico virgem (cerca de R$ 11,00, o quilo) e que as empresas estivessem mais inclinadas a escolher a primeira opção para que a questão ambiental também fosse levada a um patamar de prioridade.
Como se não bastasse a alta carga tributária enfrentada pelos recicladores, ele menciona que outra grande dificuldade envolvendo essa questão específica, se refere a uma grande oferta de resina virgem que a China fez ao mercado, globalmente, no pós-pandemia, o que causou perdas econômicas ao setor de reciclagem, mundo afora, não sendo diferente no Brasil.
Além disso, ele explica que a Zona Franca de Manaus também provoca desequilíbrio na cadeia do plástico brasileira por produzir embalagens com resina de petroquímicas chinesas, a custo mais baixo e ainda com incentivos fiscais.
Apesar dos percalços, ele destaca que está para ser publicado, este ano, um decreto de incentivo à reciclagem de plástico no Brasil, o que tende a contribuir para que haja um fortalecimento dessa cadeia, após período de grandes prejuízos. Confiante na retomada do setor, o empresário informa que investiu em um maquinário importado de última geração que poderá dobrar a produção de plástico reciclado da sua empresa, passando, ainda este ano, de 400 para 800 toneladas mensais. “Se sair realmente esse decreto, pretendemos também abrir mais fábricas no Brasil”, adianta.
Somado a esse tipo de reforço decorrente de uma regulação mais exigente, ele defende carga tributária diferenciada para a cadeia da reciclagem, além de linhas de crédito e estímulo ao desenvolvimento e inovação das empresas do setor.
Aliança internacional defende reflexão sobre produção, consumo e impactos ambientais
Para o engenheiro químico Rafael Eudes Ferreira, já passou da hora de se fazer uma reflexão global sobre o papel dos plásticos na vida cotidiana e o seu descarte indevido na natureza, sobretudo, nos oceanos. Como membro do comitê da Aliança Resíduo Zero Brasil e embaixador no Brasil do movimento Break Free from Plastic, ele defende a necessidade de um amplo questionamento sobre processos de produção e consumo de plásticos que estão causando impactos de longo alcance globalmente, não sendo diferente no nosso país. Parte dessa discussão está sendo desencadeada por esses movimentos da sociedade civil organizada que buscam enfrentar o desperdício e promover uma cultura de circularidade. A Aliança, por exemplo, tem como eixos centrais da sua atuação a reciclagem de resíduos orgânicos, o banimento de plásticos descartáveis, a responsabilização do setor produtivo e a reciclagem solidária com os catadores.
“Temos uma alta disponibilidade de matéria prima virgem e a cada dia mais estudos apontam na direção da insustentabilidade dos padrões de produção e consumo atuais. Precisamos discutir sobre como a própria indústria enxerga a sua atuação”, analisa o especialista. Para ele, outra questão central no debate dessa temática, envolve a situação dos catadores. “Eles não podem ficar reféns dos altos e baixos da reciclagem”, opina, ao defender que esse elo da cadeia seja remunerado pelos serviços ambientais prestados à sociedade.
Ferreira concorda que é preciso também repensar sobre design dos produtos, além de abordar seus usos essenciais. “Acredito que a sociedade está ciente dos impactos dos plásticos na natureza”, observa ao mencionar uma pesquisa recente da organização ambientalista WWF que ouviu 24 mil pessoas, em 32 países, e apresentou a preocupação dos entrevistados sobre essa questão em nível global, incluindo o Brasil. Esse levantamento indicou que 85% dos entrevistados querem a proibição de plásticos descartáveis. Mas, ao mesmo tempo, ele reflete que, infelizmente, o debate sobre consumo consciente ainda é marcado por privilégios ou a falta deles nas diferentes camadas sociais brasileiras.
Como soluções para o enfrentamento dos dilemas, o especialista defende que os consumidores devem se preocupar em eleger governantes que implementem soluções para o enfrentamento dos impactos dos plásticos na natureza e que as empresas sejam responsabilizadas em relação à logística reversa dos seus produtos, de forma a garantir o fortalecimento de processos de circularidade. Com isso, podem gerar novas oportunidades socioeconômicas para além da reciclagem. Nesse sentido, ele menciona uma pesquisa da Fundação Ellen Macarthur que sinaliza para a geração de negócios da ordem de US$ 10 bilhões envolvendo a reutilização de 20% das embalagens plásticas pós-consumo.
Catadores perdem ganhos em Porto Alegre, cidade pioneira na gestão de resíduos
Paula Medeiros, presidente da Cooperativa de Trabalhadores de Reciclagem da Vila Pinto, conta que quando as atividades dessa organização gaúcha foram iniciadas de forma pioneira em Porto Alegre, há 27 anos, existiam, em média, cinco tipos de materiais recicláveis. Atualmente, variam de 25 a 30. Tudo issotornou o processo de triagem cada vez mais complexo, ao passo que ainda não se consolidou a desejada valorização de uma atividade que presta inestimáveis serviços ambientais e socioeconômicos à sociedade.
Sinais de desânimo quanto à falta de valorização desse elo da cadeia de reciclagem se refletem nos números dos associados. Há mais de duas décadas eram cerca de 250 pessoas, quando a alta demanda exigia que se revezassem 24 horas por dia. Atualmente, são 35 pessoas que atuam em jornadas diárias de oito horas. A organização só não se enfraqueceu totalmente pois, por demanda comunitária, investiu em várias frentes de atuação no espaço físico que foi se ampliando para dar lugar a projetos de assistência social e educação infantil, entre outros, que a tornaram referência em Porto Alegre.
Mas a capital gaúcha, por sua vez, do passado de referência em engajamento ambiental, passa por grandes transformações, incluindo a redução da quantidade de catadores. De cerca de 600, atualmente são em torno de 400. Paula reitera que não há retorno financeiro para essa profissão insalubre que vem sendo trocada por outras. Além disso, a atividade ainda corre mais risco diante do interesse da Prefeitura de privatizar o serviço de gerenciamento de resíduos sólidos da cidade (da coleta seletiva e outros serviços ao destino final), podendo afetar, mais ainda, as atividades de triagem realizadas pelas 17 cooperativas de reciclagem.“Corre-se o risco de ter funcionário que não entende o que vem a ser esse serviço de triagem. A sociedade precisa debater essa questão preocupante para uma cidade que sempre teve papel pioneiro na agenda ambiental no Brasil e no movimento de catadores”, alerta.
Para Paula, dentre outros dilemas, “a reciclagem de resíduos se tornou uma moeda de troca e não somente renda para os catadores”. “Passamos a concorrer com hipermercados, empresas, órgãos públicos e tantos outros segmentos que passaram a vender seus recicláveis. Dessa forma, grande parte do material nobre não chega mais para nós”, observa.
A Cooperativa que já chegou a receber, em média, 130 toneladas de recicláveis por mês, das quais aproximadamente 70 eram comercializadas, recebe atualmente cerca de 60 toneladas. Desse total, Paula relata que consegue comercializar de 42 a 45 toneladas. O restante é rejeito não reciclável, a maioria formada por plásticos (incluindo os de uso único), que depois de separado é destinado ao aterro sanitário da cidade. Diante desse cenário, cada associado não consegue mais receber nem um salário mínimo. Os ganhos mensais estão em torno de R$ 700,00. Nesse contexto, o plástico mais valioso é o PET transparente que custa R$ 2,80 o quilo.
Para a presidente da Cooperativa, diante do atual cenário em que a cadeia da reciclagem perde a força econômica, enquanto grandes volumes de plástico se acumulam nos lagos, rios, mares e oceanos, é preciso cobrar mais responsabilidade dos fabricantes. “É preciso garantir que não vão mais sair das fábricas tipos de plástico que não são recicláveis. Enquanto houver, as pessoas vão consumir”, opina. Ela conclui que essa questão também precisa gerar penalidade.
As críticas de Paula encontram ressonância em dados científicos que discutem a responsabilidade das empresas quanto às suas embalagens pós-consumo. Um artigo publicado pela revista Science Advances, em abril, identificou que cerca de 910 mil itens plásticos identificáveis, pesquisados entre os anos de 2018 e 2022, após serem recolhidos em 84 países, foram fabricados por 56 empresas multinacionais. No entanto, um quarto desse total foi distribuído por cinco grandes corporações de atuação global (Coca-Cola, PepsiCo, Nestlé, Danone e Altria/Philip Morris International).
Contaminação impede que plásticos recolhidos em ecobarreira sejam reciclados
Imprestáveis para a reciclagem devido à contaminação por esgoto e outros poluentes encontrados no rio João Mendes, principal afluente da Lagoa de Itaipu, em Niterói, Região Metropolitana do Rio de Janeiro.Essa é a realidade dos resíduos retirados da ecobarreira instalada pela organização ambientalista Amadarcy (Instituto Floresta Darcy Ribeiro) em 2022, a maioria formada por embalagens e utensílios plásticos. Desde então, 11 toneladas já foram recolhidas, mas tiveram como destino o aterro sanitário municipal, em vez de serem recicladas. Todo o material é quantificado e qualificado.
“A nossa ideia inicial era essa, de destinar os resíduos coletados à reciclagem, mas quando procuramosa Companhia Municipal de Limpeza Urbana de Niterói (Clin), fomos informados de que não seria sustentável reciclar aquele tipo de resíduo, pois demandaria muita água e produtos para higienizá-los. Nesse caso, a solução seria a destinação para o aterro municipal e assim tem sido feito”, afirma o ambientalista Felipe Queiroz, diretor-coordenador da Amadarcy. Para ele, uma solução viável nesse caso, seria lavar esses materiais com água de reúso, caso as estações de tratamento de esgoto da cidade tivessem essa alternativa.
“Dessa forma a gente se sente como se estivesse enxugando gelo. É muito desanimador porque todo o nosso trabalho é voluntário. Mas apostamos na missão de fortalecer ações de educação ambiental e despertar nas novas gerações o interesse pela proteção da natureza”, observa o ambientalista, que trabalha fazendo ações de engajamento em escolas e recebendo estudantes para conhecer o trabalho da ecobarreira. Os alunos também são levados a fazer trilhas em unidades de conservação como o Parque Estadual Serra da Tiririca e a Reserva Extrativista Marinha de Itaipu. Oficinas, peças teatrais e outras estratégias pedagógicas lúdicas também são utilizadas para sensibilizar os participantes sobre a temática que se quer despertar na juventude e que envolve os impactos envolvidos nos processos de produção e consumo.
Paralelo a isso, o projeto já fez levantamento de peixes dessa área de atuação, além de projeto de restauração de mata ciliar do rio João Mendes que nasce na Serra da Tiririca e percorre seis quilômetros, sendo afetado pela poluição urbana nesse percurso. “Se houvesse mata em ambos os lados esse lixo seria barrado pela vegetação”, conclui.
Nos próximos passos do trabalho, o ambientalista informa que haverá análise de microplástico presente no rio, como parte de ações de um projeto de pesquisa recém aprovado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). “Esses dados vão servir para cobranças da sociedade e orientar processos de tomada de decisão sobre essa questão da poluição causada por plásticos e outros materiais que poderiam ser reaproveitados na cadeia produtiva”, conclui Queiroz.
MMA confirma que decreto de incentivo a reciclagem sairá nos próximos meses
Em resposta aos questionamentos da reportagem sobre o andamento da elaboração de decreto para incentivo à reciclagem de plástico, o MMA afirma que o documento será assinado nos próximos meses e que a sua construção tem ocorrido de forma participativa. Além disso, apresenta iniciativas em curso para impulsionar economicamente essa cadeia produtiva bem como ressalta o planejamento de ações de educação e inclusão social. Nesse sentido, responde a várias demandas das vozes ouvidas nesta produção jornalística.
((o))eco – Sobre o decreto de estímulo à reciclagem de plásticos, aguardado ansiosamente por essa cadeia produtiva, como tem sido o processo de elaboração desse documento?
MMA – A minuta de decreto já passou por consulta pública na plataforma Participa+ Brasil, em que recebeu 3.475 contribuições. Posteriormente, houve também webinar para discussão do decreto, já incorporando pontos levantados na consulta pública e discutidos no Tratado Internacional de Combate à Poluição por Plásticos. O MMA também recebeu contribuições da sociedade civil, do setor privado e de outros órgãos do governo.
Haverá outra rodada de discussão em 17 de maio sobre possíveis encaminhamentos do Tratado Internacional de Combate à Poluição por Plásticos e outros pontos do debate global que impactam as legislações brasileiras e a minuta do Decreto de Logística Reversa de Embalagens Plásticas. A previsão é que o decreto seja publicado nos próximos meses.
Que iniciativas, além do decreto, têm sido tomadas no âmbito do MMA para estimular a reciclagem de plásticos, tendo em vista os altos impactos desses materiais na natureza?
MMA e MDIC [Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços ] constroem, dentro do Plano de Transformação Ecológica liderado pelo Ministério da Fazenda, a Estratégia Nacional de Economia Circular. A iniciativa inclui políticas de estímulo a inovações na produção, como ecodesign, remanufatura, recondicionamento e reuso. Permitirá também maior integração para a conscientização ambiental e a resolução de distorções tributárias que inibem o reuso e a reciclagem pós-consumo. Prevê também a criação de novas linhas de financiamento, como a recém-lançada linha do Fundo Clima de incentivo à reciclagem. Com o Ministério da Fazenda, o MMA também participa da regulamentação da reforma tributária para ajustes fiscais que permitam que a matéria-prima reciclada seja competitiva com a matéria prima virgem.
Há outras ações em curso com esse objetivo?
Outra ação é a regulamentação da Lei de Incentivo à Reciclagem, que permite a dedução de imposto de renda para quem investir em projetos de reciclagem, capacitação, educação ambiental, entre outros. A expectativa é que a legislação seja regulamentada nos próximos meses. O MMA trabalha ainda para ampliar a transparência e compliance da logística reversa por empresas, com algumas portarias já publicadas e outras que serão publicadas nas próximas semanas.
O Ministério também publicou portaria para permitir cadastro de cooperativas e associações de catadores no Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir), o que permitirá ações e programas para o pagamento por serviços ambientais. Possibilitará também iniciativas coordenadas com outros ministérios para valorização, capacitação e ampliação da atuação de cooperativas e associações de catadores junto ao Comitê Interministerial de Inclusão Socioeconômica de Materiais Recicláveis (CIISC).
Quanto às discussões do Tratado Global de Combate à Poluição por Plásticos, no Canadá, qual foi a participação do MMA e seu engajamento nesse debate internacional, além de suas repercussões no país?
Representantes do MMA e do Ibama integraram a delegação brasileira nas discussões em Ottawa. Para implementação do tratado, foi construída parceria com rede de cientistas para contribuir nas definições sobre químicos de preocupação, polímeros problemáticos, polímeros evitáveis, plásticos de uso único e propostas de implementação do tratado. Também foi aprovada proposta do Brasil para a criação de grupo interseccional para debater financiamentos, recursos e meio de implementação para acabar com a poluição existente e a expansão da reciclagem e da economia circular.
O Brasil também constrói a Estratégia Nacional de Economia Circular e um sistema de rastreabilidade para produtos reciclados, incluindo a rastreabilidade do material reciclado a ser obrigatoriamente incluído na produção de novos produtos. Os temas foram bem recebidos e inseridos nos debates do tratado global.
O país promoveu ainda debate paralelo sobre catadoras e catadores de materiais reciclados com representantes do setor de vários países. A iniciativa permitiu discussão mais ampla sobre transição justa, inserção de catadores na economia circular e novos instrumentos para ampliar e financiar a reciclagem pelo mundo.
O treinamento de Lucro Real será na Filial Sygecom Indaiatuba com a expert Flavia Romero. Ele acontecerá aos sábados, a primeira turma inicia dia 02/10, e a última dia 30/10.
Para fazer sua inscrição, acesse a plataforma EAD da Sygecom:
https://sygecom.eadplataforma.com
Lembrando que os clientes da ANAP possuem desconto de 20%, para mais informações, entre em contato através do e-mail sygecom@sygecom.com.br