A indústria de papéis reciclados, em particular o segmento que reúne os aparistas — que compram resíduos de papel de cooperativas, sucateiros e catadores e vendem as aparas aptas à reciclagem para fabricantes de embalagens de papelão ondulado e papel cartão e de papéis de higiene (tissue) —, está vivendo uma das piores crises de sua história.

O alerta é da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap), que indica que, depois da pandemia de covid-19, que num primeiro momento levou à escassez de material pós-consumo para reciclagem e à disparada dos preços das aparas, o cenário mudou drasticamente.

Com o excesso de oferta de papéis de fibra virgem (obtidos 100% a partir da celulose) nos mercados doméstico e internacional, muitos produtores de embalagens deixaram de usar matéria-prima reciclada em suas receitas. Além disso, os preços da celulose sofreram forte correção no mercado global até meados de 2023, incentivando seu consumo pelas papeleiras.

Maior produtora de papéis de embalagens de papelão ondulado e de papéis de embalagem do país, a Klabin colocou em operação duas novas máquinas de papel — de kraftliner e papel cartão, com capacidade produtiva de 450 mil e 460 mil toneladas, respectivamente. Ao mesmo tempo, suspendeu as operações em unidades de reciclados, dando preferência para a fibra virgem em suas embalagens. A companhia já começou a retomar a produção de reciclados.

“A indústria [papeleira] voltou a comprar aparas mais recentemente, mas os preços ainda não estimulam a atividade”, diz o vice-presidente da Anap, João Paulo Sanfins. No melhor momento da pandemia, o quilo da sucata de papelão custava R$ 2,00. No piso, o preço chegou a R$ 0,50. Atualmente, está em R$ 0,80, queda de 60%.

Segundo o empresário, a combinação de maiores importações no momento em que faltavam aparas no mercado doméstico — resíduos de papel entraram no país sem controle e, em 2023, o governo teve de intervir para limitar as compras externas, não só de resíduos de papel, mas de plástico e vidro — e estoques da matéria-prima ainda elevados seguem desestimulando a atividade.

No ano passado, o volume total coletado pelos aparistas deve ter recuado cerca de um terço frente as 4,9 milhões de toneladas de 2022, mas há alguns sinais animadores no horizonte. Relatório mensal do setor produzido pela GO Associados para a Anap mostra que, em fevereiro, o consumo total de aparas de papel caiu 1,82% frente a janeiro, puxado por aparas de papel de embalagem (-1,8%) e de papel de imprimir e escrever (-6,6%). Na comparação anual, contudo, houve alta em todas as categorias analisadas, com destaque para embalagens, com alta de 12,5%.

Apesar do fôlego recente, o estrago na cadeia de valor já está feito, diz Sanfins. “Faltou uma visão estratégica da indústria papeleira sobre a cadeia de suprimentos. Para cada uma tonelada [de aparas] que a indústria deixa de comprar e uma tonelada de fibra virgem que passa a produzir, são duas toneladas a menos de mercado para os aparistas”, destaca.

A demanda enfraquecida e os preços das aparas de papel, neste momento, pouco acima do piso histórico levaram à desorganização da cadeia de coleta, já que os valores praticados são insuficientes para atrair de volta parte dos catadores e cooperativas que antes se dedicava à coleta também de papel usado.

Conforme o empresário, que está à frente da Comércio de Resíduos Bandeirantes (CRB), empresa da família com meio século de história instalada em Belo Horizonte, muitos deixaram de coletar resíduos de papel, o que significa que há mais caixas e outros produtos de papel indo para o aterro sanitário e não para a reciclagem, para se dedicar à coleta de plásticos ou outras atividades.

Além da maior consciência da indústria papeleira sobre a relevância dos aparistas para toda a cadeia de reciclagem do papel, o setor busca que o governo seja mais rigoroso na defesa e proteção da economia circular. O uso de papel reciclado, por exemplo, poderia ser compulsório, como já acontece em alguns países europeus, e a adoção da logística reversa poderia ter regras mais efetivas. “É importante termos mais previsibilidade”, diz o empresário.

O Brasil é uma das referências globais na reciclagem de papéis o geral, com taxas que se aproximam dos 70%. Já a Anap conta com 55 aparistas associados, que representam cerca de 35% do volume total transacionado no país.

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