
O Fundo Clima do BNDES e as dificuldades de acesso aos recursos
Por executivos da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap)

Uma das principais dificuldades dos aparistas de papel, responsáveis por reciclar mensalmente milhares de toneladas de material recolhido das ruas pelos catadores e entregue também pelo comércio varejista, atacadistas e indústria, é obter linhas de financiamento com juros subsidiados para suas operações. Embora o setor seja reconhecido como um dos mais importantes na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e defesa do meio ambiente, há grande dificuldade de acesso dos aparistas de papel às linhas de crédito disponível.
Um exemplo é o Fundo Clima, gerido pelo BNDES, que dispõe de R$ 11,5 bilhões para financiar desenvolvimento sustentável, um montante considerável à disposição das empresas. Embora o setor de reciclagem esteja contemplado no escopo do fundo e represente atividade fundamental para a redução de emissões de carbono, as regras de acesso ao financiamento tornam o recurso praticamente inacessível para a maioria das empresas do setor.
O Fundo Clima estabelece um valor mínimo de R$ 20 milhões por projeto para captação de recursos, montante que supera em muito as necessidades de investimento da maioria das empresas de reciclagem. Uma prensa importada de última geração custa aproximadamente US$ 800 mil; já um caminhão para coleta custa cerca de R$ 700 mil. Já as caçambas e prensas têm um valor entre R$ 45 mil e R$ 80 mil. Ou seja, o mínimo exigido pelo banco de fomento está longe das necessidades dos recicladores de papel.
Outro complicador é que, para acessar o crédito diretamente com o BNDES, é necessário comprovar faturamento superior a R$ 100 milhões nos últimos 12 meses, realidade muito distante até mesmo das empresas consideradas grandes em vários setores de atividade de reciclagem.
No Brasil, uma empresa que atua no setor aparista de papel é considerada de grande porte quando processa acima de 3.000 toneladas por mês, ou 36.000 toneladas anuais, segundo informações da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (ANAP). Mesmo nesse patamar, o faturamento raramente ultrapassa R$ 50 milhões, devido aos preços dos materiais comercializados.
No setor de reciclagem de plásticos, uma linha de reciclagem de poliolefinas com capacidade para 1.000 kg/h (cerca de 500 toneladas mensais) custa a partir de R$ 12 milhões, considerando apenas os equipamentos mais simples. Mesmo somando capital de giro e construção civil, dificilmente uma empresa desse porte alcançaria faturamento de R$ 100 milhões, embora já fosse considerada uma recicladora de médio porte no Brasil.
A complexidade para protocolar um projeto junto ao BNDES representa outro obstáculo significativo. São exigidas licenças ambientais completas, plano detalhado de uso do investimento, balanço auditado e diversos outros documentos técnicos. Empresas de reciclagem, especialmente as menores, raramente dispõem de mão de obra qualificada para elaboração de projetos no padrão exigido pelo BNDES, o que dificulta ainda mais o acesso ao banco.
Enquanto o setor de reciclagem enfrenta dificuldades para acessar o Fundo Clima, outros setores com maior capacidade de articulação e estrutura financeira conseguem captar esses recursos, como a própria indústria de papel e celulose, as petroquímicas e setores da mineração.
A reciclagem em um país com 5.571 municípios exige capilaridade e pulverização de operações. Essa característica faz com que seja difícil a criação de empresas que consolidem porcentagens maiores que 2% do market share nacional, tanto no papel e papelão, quanto no plástico.
O BNDES, historicamente direcionado à formação de “campeões nacionais”, mantém uma abordagem que não se adequa à realidade do setor de reciclagem, aonde a solução não virá de grandes corporações, mas de uma rede pulverizada de pequenos e médios empreendimentos.
O Fundo Clima poderia ser redesenhado para atender às especificidades do setor de reciclagem, com linhas de financiamento adequadas à realidade das empresas que efetivamente fazem a economia circular funcionar no Brasil.
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