Nos últimos anos, os índices gerais de reaproveitamento de papel e de plástico caíram no Brasil

Por Lucas Altino 07/02/2025 03h30 · Atualizado agora

Consideradas essenciais para que o Brasil avance na agenda de reciclagem, as obrigações de reaproveitamento dos materiais mais usados em embalagens, como papel e plástico, ainda aguardam publicação do governo federal. Entidades do setor se queixam da demora do Ministério do Meio Ambiente em publicar os decretos que indicarão o quanto cada indústria precisaria coletar de seus próprios resíduos, além de estabelecer a porcentagem de material reciclado contido em uma embalagem.

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Os estudos oficiais disponíveis — subestimados segundo especialistas e empresários do setor — apontam que o país recicla apenas 4% de todos seus resíduos. Criada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) caminha a passos lentos, em meio à urgência de soluções ambientais com vistas à redução da poluição e da emissão de gases de efeito estufa. No ano passado, Adalberto Maluf, secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, havia prometido a publicação de decretos ainda no primeiro semestre de 2024, mas os textos para plástico e papel ainda estão em compasso de espera. Em 2022, entrou em vigor o decreto da logística reversa do vidro, único desses materiais que conta com regras hoje. Por outro lado, especialistas explicam que o processo é demorado não só por acarretar em muitas negociações, incluindo de benefícios fiscais, mas pela necessidade de se criar outras políticas públicas em conjunto, como investimentos na infraestrutura e logística da reciclagem.

Os decretos estabelecem metas que crescem anualmente até 2032. No caso do vidro, as fabricantes de embalagens precisam, em 2025, coletar 32% do resíduo, além de usar 28% de material reciclado nas embalagens. Em 2032 esses índices precisarão ser, respectivamente, de 40% e 35%. A obrigatoriedade de taxas de “índice de conteúdo reciclado” — porcentagem da embalagem que se trata de material reciclado — é vista como importante para a criação de demanda e fomento à indústria da reciclagem. Mas um dos receios é que as dificuldades de logística em partes do país, o que inclui até ausência de cooperativas e de catadores de resíduos em muitas cidades, resultem em um grande aumento do valor do material reciclado que precisaria ser comprado pelas fábricas de embalagens. — A estratégia de índice de conteúdo reciclado tem poder muito grande de induzir mercado, criando demanda obrigatória para desenvolver a cadeia produtiva. Acho uma ótima estratégia, uma ferramenta muito importante, mas sozinha não resolve. Porque tem o risco de o material reciclado ficar muito caro, sem atender a todo mundo — resume Flavio Ribeiro, professor e consultor em economia circular do Programa das Nações Unidas para o meio ambiente e embaixador do Movimento Circular.

Segundo Ribeiro, é preciso analisar condições nas regiões das fabricantes de embalagens, como logística e disponibilidade de cooperativas de reciclagem, além de pensar em políticas tributárias. Em alguns estados do país, há poucas cooperativas. Em outros, elas existem, mas o parque reciclador pode ser distante. Contas complexas que precisam ser feitas com cuidado para que as metas sejam estabelecidas de forma viável e a cadeia não seja prejudicada, frisa o especialista. — Não acho estranha a demora, por mais que eu adoraria que saísse logo. Prefiro gastar cinco anos negociando uma regra e quando soltar, todos começarem a cumprir, do que soltar rápido uma regra que ninguém cumpre — afirma Ribeiro, acrescentando que metas tão ambiciosas invariavelmente vão “contrariar alguns interesses”, o que demanda muita negociação. — Para o mundo político, falta entender que desenvolver a cadeia da reciclagem não é só uma questão ambiental. É geração de emprego, arrecadação de impostos, desenvolvimento do país. São múltiplos benefícios. Reciclagem em queda Nos últimos anos, os índices gerais de reciclagem de papel e de plástico caíram no Brasil. O relatório do ano passado, com os dados de 2023, da Associação Nacional de Aparistas de Papel (Anap), mostra que naquele ano a taxa de reciclagem foi de 60%, enquanto em 2018 chegava a 70%. No caso do plástico, o relatório do Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico (Picplast) mostra uma queda de 25% em 2022 para 20% em 2023 na taxa de reaproveitamento. No caso dos dois materiais, o principal tipo de consumo é a fabricação de embalagens.

A redução acontece, principalmente, por questões econômicas, explicam representantes do setor. Atualmente, é mais barato comprar matéria virgem de papel do que sua versão reciclada, explica João Paulo Sanfins, vice-presidente da Anap, pois o Brasil é o maior produtor de celulose do mundo, o que torna os preços acessíveis. No caso do plástico, as embalagens vindas da Zona Franca de Manaus são mais baratas do que as produzidas com resina reciclada, por causa dos incentivos fiscais. Por isso, representantes dessas cadeias vêm cobrando o governo federal pela publicação das regras, uma aposta no aumento da demanda e, consequentemente, da reciclagem: — Isso vai estimular muito a reciclagem no Brasil, porque vai ter mercado para vender aqui. A empresa que não usar o material reciclado, será multada. Isso tem muita origem na política pública usada internacionalmente — afirma Sanfins, que destaca a pertinência do assunto no ano de COP30 no Brasil. — A COP30 vai tratar muito do tema da poluição plástica. Sanfins diz ainda que muitos estados possuem legislações próprias sobre logística reversa, mas o decreto federal avançaria na agenda. Primeiro, pela padronização das regras; depois, pelos índices de material reciclado nas embalagens, algo mais inovador. Presidente executivo da Associação Brasileira Empresarial dos Recicladores de Plásticos (Abrerp) e presidente da Comeplax Ltda, Luiz Hartmann diz que as entidades têm tomado “esforços” pela publicação das regras:

— Isso incentivaria o uso de plásticos reciclados na fabricação de novos produtos, ajudando a fechar o ciclo de vida dos materiais e promovendo a redução do uso de recursos virgens. Essas medidas são parte de um esforço mais amplo para abordar questões ambientais relacionadas ao descarte inadequado de plásticos e promover práticas mais sustentáveis na indústria. O cenário do setor do vidro, porém, comprova que somente as obrigatoriedades não são suficientes, apesar de positivas. Juliana Schunck, diretora-executiva da Massfix Reciclagem de Vidros, que faz a coleta e o processamento dos cacos de vidro, diz que o impacto na reciclagem ainda não foi tão alto por causa do desafio econômico diante dos preços do material reciclado ante os da matéria prima, hoje mais baratos. Ainda assim, no ano passado o setor bateu as metas estabelecidas pelo decreto. Schunck explica que o preço da barrilha de vidro, que é importado, caiu de 600 dólares em 2022 para 230 dólares hoje, principalmente pelo aumento da capacidade produtiva. Com isso, a matéria prima virgem tem sido uma opção mais barata que a coleta e processamento do caco. Em janeiro, o governo federal sancionou a lei que proíbe importações de resíduos, o que promete atacar essa questão.

— O grande desafio é econômico. No nosso entendimento, tem que se somar ao decreto uma política tributária para dar benefício à indústria para usar o material reciclado — destaca Juliana Schunck, que cita as promessas de benefícios ao setor na reforma tributária, além da PEC da Reciclagem, em tramitação, que prevê isenções. — Não adianta só criar regra. Precisa de regulamentação, investir em infraestrutura, em coleta, e também em educação ambiental. Estamos avançando, mas em passos lentos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos é de 2010, a agenda era para estar mais estruturada.

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